O mercado nunca deveria ser o mediador da cultura muito menos servir de estímulo ou termômetro para a aferição de uma produtividade, competência ou circulação cultural.
Podemos perceber que, desde o dia que o discurso da acessibilidade entrou em pauta, não demorou muito para que este aceitasse os parâmetros mercadológicos, seja para adequação e maior facilidade dentro do sistema, ou pelo simples fato de fazer o contrário, tendo os olhos fixos naquilo que não poderia dar certo, ou pelo menos, não deveria.
A cultura não tem peso, não tem medida, não tem cor, nem “verdinhas”,impressas na forma de cifrões. Muito erro de percurso tem início por aí e acaba que o que era pra ser dialético, transforma-se em cooptação ou mero comodismo.
A classe artística se ajeita. Não precisa de horizonte nem objetivo. O “estar” parece ser suficiente quando o “ser” torna-se mais meticuloso.
Sem precisar transcorrer aqui as implicações que sugestionam essas duas circunstâncias, nota-se que em muito o pensamento cultural (lembrando que isso não é “privilégio” do Brasil, mas da maioria dos países menos envoltos às cartilhas desenvolvimentistas) do nosso país leva ainda marcas de uma corrupção estrutural. No último post fizemos uma discussão sobre o que a própria cultura da organização sócio-econômica brasileira deu de herança ao cidadão brasileiro.
Quase ousamos a falar aqui que este se privou de si mesmo.
Mas a gente falando tanto do mercado e das ideologias que este pode imbricar nas diversas ramificações e dimensões que brotam atividade artística em nosso país, podemos observar que ainda assim, este é o principal mecanismo que absorve e engendra as manifestações cunhadas de expressão cultural em nosso contexto. A Lei Rouanet, comprovou que mecenato é para dar retorno e para quem der retorno. Seria usada sabiamente se a parcela artística e envolvida com a produção cultural tivesse mais entendimento sobre o que esse mecanismo político-público-cultural-democrático (ufa!) seria capaz de fazer. Um entrave fadado a se travar. A construção do próprio conceito de liberdade em nossa democracia não nos permitiu isso. Usar as intenções do mercado a favor de uma própria desestruturação do sistema era mais do que poderíamos confirmar, e se acontecesse, no estado em que anda a coisa pública em nosso país, os créditos deveriam ser concedidos a poucos MacGyvers da burocracia cultural.
Mas o tempo está acabando. Assim como vai indo a Lei Rouanet do jeito que conhecíamos até hoje. Põe-se fim ao mecenato e passa para a responsabilidade do Estado (!) estabelecer as limitações e possíveis brechas para a organização da multiplicidade cultural.
O Estado mandando na maneira de expressão da população já é figurinha conhecida “por geral” aqui em nosso país e em vários outros, por isso não precisamos aqui reconstruir essas raízes históricas. Tem lugar que isso faz sucesso, tem lugar que é o caos. Ah, se tudo fosse Paris faltaria a nós somente a Torre Eiffel. Mas aqui só tem pilar e Jesus Cristo na montanha, e um monte de gente agarrada tanto em um como em outro.
As conseqüências do Procultura e da mudança nas escolhas institucionais a respeito da condução dos mecanismos políticos e aprovação da produtividade cultural ainda é algo que recentemente bate a nossa a porta, mas que já vem a muito sendo prenunciado em murmúrios. Mercado... Estado... Qual é o tipo de armadura que devemos usar agora? A velha pergunta de Noel Rosa cabe aqui, hein?
Se a manipulação beirasse a ditatorial, poderíamos tirar proveito das experiências de nossos antepassados, pois o distanciamento histórico poderia nos permitir isso. Mas hoje, já temos a nossa democracia particular e já sentimos o que é flertar com o Mercado. Encarar o Estado e suas concordâncias a respeito da cadeia produtiva da cultura nos dias de hoje, pode requerer de nós um pouco mais de habilidade. A sensação de privação da liberdade já não "existe" mais, tudo isso por conta do desenvolvimento liberal desenfreado, praticamente fora do seu lugar. Não cabe aqui indagarmos o que essa liberdade toda fez de nós, mas o que deveríamos fazer com ela. Saímos de um erro e podemos estar prestes a cair em outro. Se o fato de tratar a cultura a partir dos reflexos de relacionamentos econômicos e de mercado é por si só incongruência e falta de reconhecimento da mesma como um direito inerente de qualquer indivíduo, e se esse fato já era absurdo para muitos pensadores dessa esfera em nossa sociedade, que eles percam os cabelos ou fiquem boquiabertos com os resultados e conseqüências que as exigências do estado poderão influir no manejo da criação artística em nosso país. Não seria essa a hora (e a necessidade tardiamente entendida) da vida artística participar da modelagem da Instituição que lhe foi conferida? Difícil agora é ter resposta para algo já vivido, só que agora em outras vestes e com outros convidados para a festa...
Para arrematar a questão e deixar-nos inquietos, encontramos algumas observações da Marilena Chauí, filósofa conhecida dos assuntadores culturais. Foram feitas a um bom tempo, mas no entanto, infelizmente parecem não ter perdido sua pertinência.
Só um pedacinho para incitar a curiosidade. Se interessar, o resto tá na rede...